quinta-feira, 29 de abril de 2010

Homofobia na Escola

Meninos agridem mais outros alunos gays e são muitas vezes estimulados pelos professores

André Ribeiro

Nikky (ela prefere usar o apelido) se orgulhava de ser aluna de uma escola particular tida como ‘liberal’ em Campinas. Não precisava usar uniforme completo, podia usar piercings e ela até já foi pra escola de moicano, um penteado punk com pontas de um palmo de altura. Casais de namorados podiam se beijar à vontade, ao contrário de outras escolas, e ela não pensou duas vezes antes de beijar sua namorada no pátio do colégio. A reação foi devastadora. “Um amigo meu veio me dizer que achava que eu quis aparecer, que se eu queria ser lésbica, que fosse entre quatro paredes. Que as pessoas não eram obrigadas a ver isso”.
Essa intolerância é enfrentada por milhares de alunos e alunas homossexuais da rede de ensino de Campinas todos os dias. Parte dessa intolerância acaba resultando em violência escolar. “Eu sofri agressões físicas, verbais e ‘tecnológicas’,” desabafa Augusto Kobayashi, aluno do ensino médio e assumidamente homossexual. “Levava socos, chutes, cotovelatas, joelhadas e empurrões.” Augusto ainda diz que o grupo de meninos que o importunava, não satisfeito com as agressões físicas e verbais, espalhavam pelos computadores da escola imagens dele caracterizado como travesti e com as unhas pintadas de rosa.

Fenômeno masculino
Segundo pesquisa da UNESCO divulgada este ano, sobre violência, Aids e drogas nas escolas, 28% dos alunos do ensino fundamental e médio do estado de São Paulo não gostariam de ter homossexuais como colegas de classe. Essa proporção aumenta se enfocarmos apenas os alunos do sexo masculino: cêrca de 41% dos meninos não toleram colegas gays ou lésbicas.

Mary Garcia Castro, coordenadora da pesquisa da UNESCO, acredita que a discriminação contra homossexuais (também chamada de homofobia), ao contrário das de outros tipos, é não apenas mais abertamente assumida, pelos meninos, como é valorizada por eles, o que sugere um padrão de afirmação de masculinidade. “A homofobia pode expressar-se numa espécie de terror de não ser mais considerado como um homem de verdade”, diz a pesquisadora.

Segundo a mesma pesquisa, “Bater em homossexuais” foi classificada pelas meninas como a terceira forma de violência mais grave, atrás apenas de “Atirar em alguém” e “Estuprar”, enquanto para os meninos ela ocupa apenas a sexta posição, atrás de “Usar drogas” ou simplesmente “Andar armado”.

Essa conclusão encontra eco entre outros pesquisadores e profissionais que lidam com jovens, dentro e fora do Brasil. O holandês Theo van der Meer, que entrevistou mais de 300 agressores de homossexuais condenados, concluiu que todos são homens e sofrem de uma auto-estima baixa ou exageradamente alta. Para esses jovens, bater em homossexuais – que eles consideram fracos e afeminados – seria como um ritual de passagem, uma afirmação de força. Murilo Moura Sarno, médico do programa da Saúde da Família de São Paulo e que conversa com alunos da rede pública sobre sexualidade, já presenciou esse potencial de agressão. “Um aluno da oitava série afirmou categoricamente que se encontrasse um casal gay num shopping, iria esperar na garagem com um bastão de ferro para quebrar a cabeça dos dois até matar o casal,” afirmou o médico. “E foi apoiado pelos outros amigos”.

Professores preconceituosos
João Augusto, aluno homossexual de um cursinho pré-vestibular em Campinas, se sente extremamente ofendido com as diversas piadinhas feitas pelos professores – quase todas tendo gays como alvo. “Como fazer com que essas piadinhas acabem, sem me expôr?”, questiona ele. “O que fazer quando as pessoas que deveriam nos proteger em sala são as que mais agridem?”

Segundo a pesquisadora da UNESCO Mary Castro, isso é normal. “Muitas vezes os professores não apenas silenciam, mas colaboram ativamente na reprodução de tal violência” Os dados da pesquisa mostram que apenas 2,3% dos professores do estado não gostariam de ter alunos homossexuais. “Mas alguns consideram que as brincadeiras não são manifestações de agressão,” ressalta a pesquisadora, “naturalizando e banalizando expressões de preconceito.”

Todos os especialistas consultados concordam que o silêncio é a pior forma de se lidar com o assunto. “Precisamos de intervenções mais sérias nas escolas,” sugere o médico Murilo Sarno, “Primeiro sobre cidadania, depois sobre sexualidades, todas elas.” A conclusão da UNESCO vai além e pede por investimentos em uma “cultura de convivência com a diversidade” que até pode se valer da informação, mas que deve se utilizar, principalmente, do “debate e o questionamento das irracionalidades que sustentam discriminações.”

Os alunos fazem coro. “Falta diálogo,” diz Nikky. “Na minha classe um certo professor se referia às lesbicas como 'sapatonas machos e etc'. Um dia cheguei pra ele em particular e disse que aquilo me ofendia. Nunca mais ele falou.” Augusto acha que a escola simplesmente não enfoca o assunto. “Assim como temos aulas de biologia e história, deveriam reservar algumas aulas para tratar de cidadania, direitos e deveres, promover um debate entre os alunos, levar palestrantes, mostrar que os homossexuais não têm nada de diferente. As pessoas tendem a ter preconceito daquilo que nunca tiveram contato e esse debate ajudaria e muito no combate à discriminação contra os homossexuais e contra todos os outros tipos de minorias.”

Indicação de fotos e gráficos: · Fotos de silhueta de alunas de mãos dadas num colégio, fotos de um dos especialistas entrevistados e/ou um dos alunos
· Gráfico da UNESCO mostrando as cinco ações consideradas mais violentas por alunos e alunas (“Bater em homossexuais” aparece em 3º. para as meninas e nem aparece (é apenas 6º.) para os meninos)
· Foto da sacanagem cibernética que fizeram com o aluno Augusto (modificada para preservar sua identidade),

http://www.e-jovem.com/ e-mail:

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