sexta-feira, 30 de abril de 2010

lendo o visto e deixar confundido este coração

Prefiro pegar esse fininho de alegria que te tomou o corpo para conversarmos mais intensamente... não sei se vai dar tempo para escrever sobre a piscina, a carolina, a gosolina e ouvir aquela canção do Roberto... E te dizer, Baby, I love you... sinto você pulsando em cada palavra, com uma intensidade de hemisférios e de terremotos de vida e morte, Severina...

Bom, deus quis que tudo desse telha nesse teto infindo que é a tua cabeça... de prego, de persevejo, de turmalina, de não-sei-quê de sim que me faz tão bem e tanta coisa de não que te faz tão mal... Acredito que você ta cada vez mais se tentando enquanto provador de frases gostosas de leitura, de reflexões esparramadas como batatinha nascendo em redondilhas alexandrinas...

Eu, não tem jeito, me apaixono fácil por suas viagens em longuinetes... e me leva a skóis incríveis que os bares da vida não me premiam...

A vida é mesmo uma coisa perdida... a gente deu muita definição pra vida... virou entidade, orixá... a vida tem em nós condição generalíssima... me leva, te leva, "por isso eu levantei com uma vontade danada de mandar flores pro delegado. De bater na porta do vizinho, e desejar bom dia.De beijar o português da padaria..." (Zeca Baleiro)

salmo responsorial a uma lagarta pintada

Escrevo porque sinto saudades. Porque existe o nada que é o deus que criou o céu e a terra. Porque são quatro e dezoito da madrugada e sinto o aperto no lembrar das pessoas tão levemente pesadas que em mim se transformaram em chuvas de muitas passagens...azul de um azul celeste celestial, azul que não há...azul que é sempre lembrança de algum lugar...

De lá pra cá...muito tempo se indo, se vindo... muita poeira guardada na foligem de muitas calações e pirraças...você com suas palavras drágeas, eu com minha calada raiva...mar e sol e lua e vento...muito dentro de nós em ondinas...

Alguma promessa de que tudo podia ser amizade um dia...um beijo de chocolate, "de algodão" nos preencheu e todo o universo fechado foi-se abrindo manhoso como balde emborcando em fonte tépida...morna de cartas e embrulhos..

Palavras bonitas aparecendo e vidrando algumas distâncias...leve paisagem, coisa discreta de sim e de não...

Mas tudo é passagem...

Como é doído, digo difícil, ver de cima dum oiteiro estas lembranças como rebanhos, meio que parafraseando Alberto Caeiro...meio que meio-a-meio...


...Gostaria mesmo de entender os porquês do meu não proselitismo em não querer ver o mais óbvio, surpreendido e suspenso do caos...não querer ver é enxergar o mais claro dessa cegueira branca. Que cada um tem seu trem de risco e que, leve, leva à sua tamanhura e presteza...

Se você fizer algum esforço, lembrará da minha dificuldade com perdas, de minha falta de sorte em não ter o quê amar-amaro...

To lendo muito até me arderem os ônibus da vista Caio Fernando Abreu. Eus insubmissos afirmando fortições de desejo...uma querença dos milagres que em só diabo a coisa tontura, mas indo lento e andrajoso...

Única coisa é que amizade é coisa de ter telefone funcionando e cara-de-pau para amedralhar...outras coisas aprendidas no avesso das conversas...aprendi que nem sempre se defende a verdade estampada nos lábios...é só enfeite, ou só ensaio.."a vida mesmo, a vida é muito pior" como bem referiu-se Belchior...

Enamorei-me dias e meses de uma dona de longe que entrou em minha vida. Tudo tão instante...agora morto... porque se indo a fome de amar, resta o escárnio de lembrar de não o haver feito em melhor agrado...

Um moço do doiro aparentou chegado, mas também se foi, deixando metros e metros de gravata e sorrisos longos...

Amei. Até dar de doer no sono...minha carnes aprofundaram carências tão "obtusas"... são loirices bestas estas, mas minhas...

escrevo porque você foi sílaba, uma parede, uma transvessal de dutos e viadutos...porque aprendi como é bom sentir saudades de alguém que, de repente, morre. E renasce vinhedo de outra freguesia...

Tantos pontinhos, talvez três (. . .) fossem suficientes, mas não serão relações, tampouco ulteriores às reticencias e datas que me sobrevieram pelos dias de alteio e fanfarrice...tantas garrafas, pedras, memórias não deixam a gente se consumir quieto em esquecimento...

Tudo pirraça um pouco

Tudo é uma ganhação...um renovo...

Algumas poesias só interpretei com a sua ajuda...as mesmas tem outro formato quando a gente as têm na cabeça e pensa devagar nelas como uma cisma...

Eu agradeço de novo ter podido furtar o 'de melhor' que você pôde dar...visto de coração...

É... tenho de por fim a esta costura de tanto ter o que dizer e não dizer...

escrevi mesmo porque amo, afastado, modorrento, sonolento e sonhando... e amor é gripe suave, depois vira febre ameaçadora...e amar é para vida inteira, como marca de sarampo, bexiga ou vacina, ou sorvete de frutas vermelhas amargas e gostosas...

Beijos...

Dionísius.
Oi, Meu único amor....

Não tenho como revisar as emoções perante o lido. Meu corpo dói de te ler, vivo, dentro de mim, fulgente qual fogos de artifício. Nossa, Como entender esse amar-amaro que me consome...esse perder-se entre monstros da nossa própria criação...

Não sei o que significam essas lágrimas duras que me ferem tanto...tudo é tão pesado.

E a minha fuga de sentir tudo e me controlar do desespero, da febre infame que a vida representa..

Tudo é tão esparso...doído e assaltante do melhor de nós...

To lendo convulsivamente Caio Fernando Abreu, talvez como forma de te sentir próximo, solto e revolto dentro de algumas páginas de minha história...

dentro desse quarto:

Sua alegria, eletricidade fogareira, sua isso e aquilo...tudo está impregnado no assoalho das lembranças mais doídas e fantasmas dessa doida vida...tudo dependendo de um telefonema e do meu medo de não importuná-lo mais e mais...definitivo, pós-parto, e a estação do outono outra vez inverno.

amor é bicho instruído...diria esquisito. Prepara o terreno da lembrança e dos mesmos passeios terreais e bruitais...

tem uma poesia de Drummond vista agora no assalto à obra completa que parece um recado sonetista, sei lá...um tanto providencial para os ânimos aleivados que estou... embaralhando as letras da sua resposta...

Faz parte da seção Lavra, do "Lição de Coisas". Consta...

Destruição

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assem a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir maos o existido
continua a doer eternamente.

É doído cada recordação. Á proposito, não sei se vale saber, mas o seu chocolate ainda vive na minha geladeira...Uma amiga veio aqui em casa e reclamou, profundamente, do meu estado definitivo de "amar o perdido e deixar confundido este coração"...Ela não entenderia tão facilmente, por mais próxima que fosse seu estado em minha vida...Não advinharia as noites-travesseiras provocadas no sanhaço das pernas desse amor suicida, nem imaginaria os ensaios de cartas escritas a mim como forma de conter o vácuo que se formou entre o nada e o vão

...Apaguei números, mensagens, tudo..escondia a pedra verde para não ter ali a memória daquela paixão mordida...e nada...suas risadas jazendo minha cabeça como trem de risco (meio que roubando o poema homônimo de Ana Bárbara, uma amiga)...flutuando em matérias de desassossego...

"Invento o mais que a solidão me dá" (Milton Nascimento)

Suplantava essa falta com mais leituras, pessoas, bichos, viagens...nada...o amor sobrevinha no esquecimento, na velhice, na própria burrice de continuar sofrendo...e estalava perverso aos cacos de vidro em cada passagem...

Você bagunçou tudo..eu me achava organizado nessas disciplinas de não sofrer.. mas tudo barraventou, e a pescaria assanhou-se em meu juízo. Vacilando o próprio corpo na espera de calmarias. Decidi pelo engaste...pelo cais...pelo mar

E...

Eu te amo e não sei, nesse momento das duas e treze da madrugada, fazer outra coisa que não ebulir esse coração de gás e saudade e controlá-lo da vontade de te beijar preciso e urgentemente...imaginar os nossos chãos saindo de nós e tudo pegando vento pelo quarto e pelos quadris...

Queria ter o direito de cometer mais outro erro em minha vida: estar contigo, ser teu e ser meu... como a fé dos desesperados, como açucar para diabéticos

...o grande problema... eu não conto com os seus cuidados, nem sei se cuidaria ou sequer cuidei de você e de suas fomes e alegrias e tristezas...

eu só sei que valeria apena ralhar e moldar a cara no cimento granzeiro outra vez...a fim de sentir o já havido..

Sei que são palavras obcenas...e mais obceno é todo branco enfestio, bravo, devotante de não ser sempre virgem dentro desse sangue em meu corpo...

"Eu não gosto do bom senso, eu não gosto dos bons modos...eu gosto dos que têm fome, dos que secam de desejo, dos que ardem"...como diz Kerowak....

Ah...quero escrever especificamente de algumas partes do seu responsório bem lindo-limpo e nas palavras mais doces, agradeço...

Primeiro, com uma dúvida..."como definir?" eu não saberia me definir como sujeito histórico do que vivi... como posso permanecer ainda vivo...saído de tanto orgulho, de tanto medo, de tanta vergonha do amar vasto que me invadiu contigo.

Eu era quem queria ter uma sobra do teu tempo para que vc pudesse definir o que aconteceu realmente no mês sem notícia e sem nada que pudesse aliviar e livrar meu corpo de mim, de meus dilaceramentos...Eu chorei tanto...me esc...também não quero fazer drama...chega de platonices...a vida é o que é...doce pânico...

Fiquei sem entender muito a falta que lhe fiz...



Beijos

Ainda, seu cuidado...

Descuidadamente,
Eu

(Também "te beijo nesse fim" ...)

Qualquer

Qualquer tempo é tempo
A hora mesma da morte
é hora de nascer.

Nenhum tempo é tempo
bastante para a ciência
de ver, rever.

Tempo, contratempo
anulam-se, mas o sonho
resta, de viver.

(Carlos Drummond de Andrade)

ficçoes do interlúdio

Não sei o que escreva. Tudo o que planejo é pouco, insuficiente ou demasiado. Saudades? sinto, muitas. Não é nenhum esforço lembrar de coisas que assomam meu pensamento, que o assaltam e preenchem sem que eu espere. Às vezes, sem que eu deseje. Sim, porque muitas vezes a gente não está muito a fim de pensar em algo de que dói lembrar, porque foi bom e a gente não tem mais.

Li suas belas palavras ontem, mas tive de esperar assentar para poder responder à altura. Na verdade, pra conseguir responder.

Ninguém que esteve minha boca, de lá pra cá. Lábio não beijou mais ninguém. A promessa de amizade que até hoje não se concretiza de vez em quando (em sempre) parece no horizonte distante de minha memória.

Minha ousadia não chega ao ponto de tentar te definir. De tentar definir sua passagem por mim, naquela doce esquina de minha vida. Esquina pela qual minha mente vagueia em noites de insônia.

Pensei em seu pai de ontem pra hoje. Tomei um susto ontem, logo amainado pela melhora que você disse que ele teve. Mande lembranças minhas (se é que ele lembra de mim) e meus desejos profundos de que ele melhore. Mande notícias dele pra mim.

Amar? Amar, amo, mas não sei como. Não sei se posso. Não sei nada. Invejo que saiba.

Té breve, te gosto e te beijo nesse fim,

"Seu cuidado..."

Ludismo

Quebrar o brinquedo
é mais divertido.

As peças são outros jogos:
construiremos outro segredo.
Os cacos são outros reais
antes ocultos pela forma
e o jogo estraçalhado
se multiplica ao infinito
e é mais real que a integridade: mais lúcido.

Mundos frágeis adquiridos
no despedaçamento de um só.
E o saber do real múltiplo
e o sabor dos reais possíveis
e o livre jogo instituído
contra a limitação das coisas
contra a forma anterior do espelho.

E a vertigem das novas formas
multiplicando a consciência
e a consciência que se cria
em jogos múltiplos e lúcidos
até gerar-se totalmente:
no exercício do jogo
esgotando os níveis do ser.

Quebrar o brinquedo ainda
é mais brincar.

Orides Fontela

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Homofobia na Escola

Meninos agridem mais outros alunos gays e são muitas vezes estimulados pelos professores

André Ribeiro

Nikky (ela prefere usar o apelido) se orgulhava de ser aluna de uma escola particular tida como ‘liberal’ em Campinas. Não precisava usar uniforme completo, podia usar piercings e ela até já foi pra escola de moicano, um penteado punk com pontas de um palmo de altura. Casais de namorados podiam se beijar à vontade, ao contrário de outras escolas, e ela não pensou duas vezes antes de beijar sua namorada no pátio do colégio. A reação foi devastadora. “Um amigo meu veio me dizer que achava que eu quis aparecer, que se eu queria ser lésbica, que fosse entre quatro paredes. Que as pessoas não eram obrigadas a ver isso”.
Essa intolerância é enfrentada por milhares de alunos e alunas homossexuais da rede de ensino de Campinas todos os dias. Parte dessa intolerância acaba resultando em violência escolar. “Eu sofri agressões físicas, verbais e ‘tecnológicas’,” desabafa Augusto Kobayashi, aluno do ensino médio e assumidamente homossexual. “Levava socos, chutes, cotovelatas, joelhadas e empurrões.” Augusto ainda diz que o grupo de meninos que o importunava, não satisfeito com as agressões físicas e verbais, espalhavam pelos computadores da escola imagens dele caracterizado como travesti e com as unhas pintadas de rosa.

Fenômeno masculino
Segundo pesquisa da UNESCO divulgada este ano, sobre violência, Aids e drogas nas escolas, 28% dos alunos do ensino fundamental e médio do estado de São Paulo não gostariam de ter homossexuais como colegas de classe. Essa proporção aumenta se enfocarmos apenas os alunos do sexo masculino: cêrca de 41% dos meninos não toleram colegas gays ou lésbicas.

Mary Garcia Castro, coordenadora da pesquisa da UNESCO, acredita que a discriminação contra homossexuais (também chamada de homofobia), ao contrário das de outros tipos, é não apenas mais abertamente assumida, pelos meninos, como é valorizada por eles, o que sugere um padrão de afirmação de masculinidade. “A homofobia pode expressar-se numa espécie de terror de não ser mais considerado como um homem de verdade”, diz a pesquisadora.

Segundo a mesma pesquisa, “Bater em homossexuais” foi classificada pelas meninas como a terceira forma de violência mais grave, atrás apenas de “Atirar em alguém” e “Estuprar”, enquanto para os meninos ela ocupa apenas a sexta posição, atrás de “Usar drogas” ou simplesmente “Andar armado”.

Essa conclusão encontra eco entre outros pesquisadores e profissionais que lidam com jovens, dentro e fora do Brasil. O holandês Theo van der Meer, que entrevistou mais de 300 agressores de homossexuais condenados, concluiu que todos são homens e sofrem de uma auto-estima baixa ou exageradamente alta. Para esses jovens, bater em homossexuais – que eles consideram fracos e afeminados – seria como um ritual de passagem, uma afirmação de força. Murilo Moura Sarno, médico do programa da Saúde da Família de São Paulo e que conversa com alunos da rede pública sobre sexualidade, já presenciou esse potencial de agressão. “Um aluno da oitava série afirmou categoricamente que se encontrasse um casal gay num shopping, iria esperar na garagem com um bastão de ferro para quebrar a cabeça dos dois até matar o casal,” afirmou o médico. “E foi apoiado pelos outros amigos”.

Professores preconceituosos
João Augusto, aluno homossexual de um cursinho pré-vestibular em Campinas, se sente extremamente ofendido com as diversas piadinhas feitas pelos professores – quase todas tendo gays como alvo. “Como fazer com que essas piadinhas acabem, sem me expôr?”, questiona ele. “O que fazer quando as pessoas que deveriam nos proteger em sala são as que mais agridem?”

Segundo a pesquisadora da UNESCO Mary Castro, isso é normal. “Muitas vezes os professores não apenas silenciam, mas colaboram ativamente na reprodução de tal violência” Os dados da pesquisa mostram que apenas 2,3% dos professores do estado não gostariam de ter alunos homossexuais. “Mas alguns consideram que as brincadeiras não são manifestações de agressão,” ressalta a pesquisadora, “naturalizando e banalizando expressões de preconceito.”

Todos os especialistas consultados concordam que o silêncio é a pior forma de se lidar com o assunto. “Precisamos de intervenções mais sérias nas escolas,” sugere o médico Murilo Sarno, “Primeiro sobre cidadania, depois sobre sexualidades, todas elas.” A conclusão da UNESCO vai além e pede por investimentos em uma “cultura de convivência com a diversidade” que até pode se valer da informação, mas que deve se utilizar, principalmente, do “debate e o questionamento das irracionalidades que sustentam discriminações.”

Os alunos fazem coro. “Falta diálogo,” diz Nikky. “Na minha classe um certo professor se referia às lesbicas como 'sapatonas machos e etc'. Um dia cheguei pra ele em particular e disse que aquilo me ofendia. Nunca mais ele falou.” Augusto acha que a escola simplesmente não enfoca o assunto. “Assim como temos aulas de biologia e história, deveriam reservar algumas aulas para tratar de cidadania, direitos e deveres, promover um debate entre os alunos, levar palestrantes, mostrar que os homossexuais não têm nada de diferente. As pessoas tendem a ter preconceito daquilo que nunca tiveram contato e esse debate ajudaria e muito no combate à discriminação contra os homossexuais e contra todos os outros tipos de minorias.”

Indicação de fotos e gráficos: · Fotos de silhueta de alunas de mãos dadas num colégio, fotos de um dos especialistas entrevistados e/ou um dos alunos
· Gráfico da UNESCO mostrando as cinco ações consideradas mais violentas por alunos e alunas (“Bater em homossexuais” aparece em 3º. para as meninas e nem aparece (é apenas 6º.) para os meninos)
· Foto da sacanagem cibernética que fizeram com o aluno Augusto (modificada para preservar sua identidade),

http://www.e-jovem.com/ e-mail:

Enquanto velo o meu sono


A vista cansa de olhar objetos inanimados... o corpo em cena quer vidas superpostas... eu grito a minha loucura, a minha ladrilha... e me arrasto,como um facho, na noite escura... começo a ladrar um absurdo diferente dos dias anteriores para me enfrentar gente em universos intensos de olhos e querenças... sinto como em disco volante, ouvindo gemidos de cinco irmãs em voluptoso furor ... "ânsias de febre e loucura, girando em polpas de alvuras. Lábios em brasas de amor"

Essas coisas me despem o juízo...quero ganhar outros ares, outros luares, mas a vida, essa entidade derretida, toma os pulsos de minha casa e fico de novo aéreo, terremoto de fins...

Você sabe dos meus sábados e domingos: escrevo cartas,leio os antigos poemas, entro em desuso com a natureza sã... é o meu intenso que me come... fico homem, fico mulher, sigo siglas... leio até a bíblia para me conter, para te decorar... canto o cântico dos cânticos para te esperar... os ouvidos se recusam a entrar em estado ótimo... fica ouvindo confusões de banheiro em deletreamento de rusgas e toques...

outra vista...

Você não vem nunca...e nunca lembra dessas reticências quando te escrevo? Não sente essas palavras me ultrapassando e te ultrajando...

Fecho ou não a porta do quarto?

Deixo a água esquentando?

O computador funcionando?

Você não quer responder... finge que não existe afeto... Então, zebras lhe mordam e vá catar morangos em pés de jaqueira e me esqueça...

Você não sai de mim... fico escondendo as pedras, apagando mensagens de celular... Só resolve novos pânicos.

Já,já entra maio, o mês das moitas...

Nada... só esse juízo.

Tá... vou continuar ouvindo O Rappa... caso queira virar as costas, tem para si toda a ajuda de bens...

Agora, eu vou dormir... e nem adianta pousar nos meus sonhos quando, a muito custo, eu dormir. Faço questão de acordar...

(Jober Pascoal)
Bernardo Soares (Fernando Pessoa)

119

Por entre a casaria, em intercalações de luz e sombra – ou, antes, de luz e de menos luz – a manhã desata-se sobre a cidade. Parece que não vem do sol mas da cidade, e que é dos muros e dos telhados que a luz do alto se desprende – não deles fisicamente, mas deles por estarem ali.
Sinto, ao senti-la, uma grande esperança; mas reconheço que a esperança é literária. Manhã, primavera, esperança – estão ligados em música pela mesma intenção melódica; estão ligados na lama pela mesma memória de uma igual intenção. Não: se a mim mesmo observo, como observo a cidade, reconheço que o que tenho que esperar é que este dia acabe, como todos os dias. A razão também vê a aurora. A esperança que pus nela, se a houve não foi minha: foi a dos homens que vivem a hora que passa, e a quem incarnei sem querer, o entendimento exterior neste momento.
Esperar? Que tenho eu que espere? O dia não me promete mais que o dia, e eu sei que ele tem decurso e fim. A luz anima-me mas não me melhora, pois sairei daqui como para aqui vim – mais velho em horas, mais alegre uma sensação, mais triste um pensamento. No que nasce tanto podemos sentir o que nasce como pensar o que há-de morrer. Agora, à luz ampla e alta, a paisagem da cidade é como de um campo de casas – é natural, é extensa, é combinada. Mas ainda no ver disto tudo poderei eu esquecer que existo? A minha consciência da cidade é, por dentro, a minha consciência de mim.
Lembro-me de repente de quando era criança e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela então não raiava para mim, mas para a vida, porque então eu (não sendo consciente) era a vida. Via a manhã, e tinha alegria; hoje vejo a manhã, e tenho alegria, e fico triste. A criança ficou mas emudeceu. Vejo como via, mas por trás dos olhos vejo-me vendo; e só com isto se me obscurece o sol e o verde das árvores é velho e as flores murcham antes de aparecidas. Sim, outrora eu era de aqui; hoje, a cada paisagem, nova para mim que seja, regresso estrangeiro, hóspede e peregrino da sua presentação, forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim.

Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. No meu sangue corre até a menor das paisagens futuras, e a angústia do que terei que ver de novo é uma monotonia antecipada para mim.

E debruçado ao parapeito, gozando do dia, sobre o volume vário da cidade inteira, só um pensamento me enche a alma – a vontade íntima de morrer, de acabar, de não ver mais luz sobre cidade alguma, de não pensar, de não sentir, de deixar atrás, como um papel de embrulho, o curso do sol e dos dias, de despir, como um traje pesado, à beira do grande leito, o esforço involuntário de ser.

quinta-feira, 22 de abril de 2010


Morena do Rio Vermelho (Osvaldo Fahel)Morena bela do Rio VermelhoSeu lindo olhar é um espelhoOnde eu vejo o luarTu tens nos olhos o verde do marE no verde mar dos teus olhosEu queria me afogarQuisera ser um chorãoCantar minhas mágoasem uma cançãoviver...e morrer prisioneiroEntre as paredes do teu coração.Morena, moreninha, moreninha belaMorena, eu quero casar com ela

Adelmo Oliveira


--------------------------------------------------------------------------------



Insônia


Avança madrugada vizinha
O sono não é o teu vigia
- O sono não chegou às pupilas

A chuva é uma vassoura fina
Varrendo por cima dos telhados.

Avança madrugada sozinha
O frio corta a pele matutina
- Gritam sapos que saltam tablados
Lá nas baixadas do Rio Sapato.

A chuva é uma vassoura fina
Varrendo por cima dos telhados.

O vento de açoite está uivando
Uiva nas esquinas
madrugadas
Com medo de lembranças que batem
- Cantigas antigas de ninar.

A chuva é uma vassoura fina
Varrendo por cima dos telhados.

Avança madrugada vizinha
- Cigarro
Joguei pelas cortinas
Das sombras da memória que vinha
Levando pedaços desta vida.

A chuva é uma vassoura fina
Varrendo por cima dos telhados.


(Inédito)












Adelmo Oliveira


--------------------------------------------------------------------------------



Balada dos Erros de um Profeta


Trago para dentro do mundo
Longos dias sem manhã
Longas noites sem aurora
– Estrelas caídas de bruços
No vazio

Trago para dentro do mundo
A Voz – signo obscuro do medo
Grito de silêncio devorado pela esfinge
– Pedra-enígma da mente
Na vertigem

Trago para dentro do mundo
O Sol – zodíaco das trevas
– Touro selvagem empalhado
Cuja língua vomita da boca
Sangue coagulado

Trago para dentro do mundo
A Terra – bólide errante das esferas
– Assobio de náufragos e transeuntes cegos
Que trauteia um eco surdo nos ouvidos
E nos passos que se perdem

Trago para dentro do mundo
A Lua – corvo branco da noite
Que ludibria o terror das sombras
Que dissimula a morbidez da loucura
E afia seus punhais contra o desespero dos dragões

Trago para dentro do mundo
Este navio sem origem
– Este porto sem mar
Cuja âncora atraca na raiz das ruínas
Arquivos de ilusão

Trago para dentro do mundo
Aquilo que é o meu corpo
Aquilo que é a minha alma
– Sopro veloz de um único suspiro
Entre o início do princípio e o ocaso do fim
Este tão forjado segredo me esvazia de ilusões coloridas, de emoções esquecidas e por pouco vividas, de pequenas fragilidades incandescentes, de desejos rubros e me preenche dele todo, que sozinho, é tudo em mim, agora.Mas sabendo como os segredos bem guardados podem restar, sei que encolherá, se acomodará suavemente e com elegância nas imagens, cheiros, sons de alguma parte minha, e sendo apenas parte e não eu toda, deixará de ser pungente para ser um segredo recôndito - caixa-de-presente - na primeira gaveta do armário que, vez por outra, quando toca à pele, no escuro, causa um leve e secreto prazer, digno das mais nobres dores...
Pardalzinho


O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!

Manuel Bandeira

domingo, 18 de abril de 2010

Sexta-feira à noite
(Marina Colasanti)

Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.


Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.


Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado

quinta-feira, 8 de abril de 2010

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Eu e a Brisa

Ah, se a juventude que essa brisa canta

Ficasse aqui comigo mais um pouco
Eu poderia esquecer a dor
De ser tão só
Prá ser um sonho

E aí, então, quem sabe alguém chegasse
Buscando um sonho em forma de desejo
Felicidade então prá nós seria

E depois que a tarde nos trouxesse a lua
Se o amor chegasse eu não resistiria
E a madrugada acalentaria a nossa paz

Fica, oh, brisa fica, pois talvez quem sabe
O inesperado faça uma surpresa
E traga alguém que queira te escutar
E junto a mim queira ficar...
Qualquer

Qualquer tempo é tempo
A hora mesma da morte
é hora de nascer.

Nenhum tempo é tempo
bastante para a ciência
de ver, rever.

Tempo, contratempo
anulam-se, mas o sonho
resta, de viver.

(Carlos Drummond de Andrade)
LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo

Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.

(Paulo Lemiski)
Eu e meus sonhos e medos e urgências
Eu e o fato de ser apenas eu por dentro
Eu e a enorme luz, que quase cega o dia e que mesmo assim
não me vê
Eu caco de vidro em beira de estrada
Eu casa, quarto, varanda
Eu solidão
Eu alegria, espaço, começo, sol alto
Eu e a certeza de filhos

Eu e o meu diário retrô
Eu e a minha poética, Eu mulher
comedida, reprimida, tolida e vã
Eu nada haver comigo
Eu esperança, desafio, intuição
Eu somente eu
Eu atirando pedras e correndo entre carros e vidas
Eu trem de risco.

Bárbara Borges
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

(Alberto Caeiro)
Vozes veladas,
veludosas vozes,
volúpias dos violões,
vozes veladas,vagam
nos velhos vórtices velozes
dos ventos,
vivas,vãs, vulcanizadas...

Cruz & Souza
"Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida...mas é delicioso que eu saiba e sinta que eu os adoro, embora não declare e os procure sempre..."
Vinicius de Moraes
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos
mesmos lugares ...
É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos..."

Fernando Pessoa
"Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo
de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada".

Clarice Lispector
...não era acaso um sono provisório esse segundo sono, ter minha cabeça coroada de borboletas, larvas gordas me saindo pelo umbigo, minha testa fria coberta de insetos, minha boca inerte beijando escaravelhos? quanta sonolência, quanto torpor, quanto pesadelo nessa adolescência! afinal, que pedra é essa que vai pesando sobre meu corpo? há uma frieza misteriosa nesse fogo, para onde estou sendo levado um dia? que lousa branca, que pó anêmíco, que campo calado, que copos-de-leite, que ciprestes mais altos, que lamentos mais longos, que elegias mais múltiplas plangendo meu corpo adolescente!

(Raduan Nassar. Fragmento de Lavoura Arcaica)
Por Não Estarem Distraídos (adaptado)
de Clarice Lispector

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas.
No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.